
Quando a arte imita a vida
Pedofilia: a zona cinzenta ou o tratamento desigual em função do sexo?
"Verão de 42" (Summer of 42, 1971) é um filme corajoso, sensível, que retrata a realidade da descoberta da sexualidade de três adolescentes de 15 anos nas férias de Verão. A “primeira vez” é sonhada e aguardada de forma diferente pelos três amigos: Oscy, num misto de fanfarronice e gabarolice faz conta à quantidade raparigas que espera “engatar” nas férias, Benjie é o tímido, o miúdo receoso de abordar o sexo oposto, Hermie encarna o jovem sonhador que procura o amor verdadeiro consumado com alguém especial.
À sua maneira, nem sempre em correspondência directa com o idealizado, os três rapazes perderão a virgindade. Contudo, o centro da atenção recai sobre a relação de Hermie e Dorothy, uma mulher mais velha, carente, cujo marido ausente se encontra ao serviço das Forças Armadas como piloto na II Guerra Mundial.

A história é bonita e faz-nos esquecer completamente que, à face da lei, estamos perante uma situação de abuso sexual, um relacionamento explorado por Dorothy, que se aproveita da inexperiência e dos sentimentos de Hermie para colmatar a falta do marido.
Somos, pois, confrontados com aquilo a que chamo a “zona cinzenta da pedofilia”, não porque não esteja "preto no branco" no Código Penal Português, mas porque sociedade dificilmente rotula de abuso sexual a relação entre uma mulher adulta e um jovem ainda na puberdade, mas não hesita em qualificar como crime o relacionamento sexual de um homem maior de idade com uma menina de 15 anos.

O filme "Verão de 42" foi premiado com o Óscar de melhor banda sonora, cujo tema principal faz parte da nossa cultura ainda que muitos não o relacionem com o êxito cinematográfica.
Em Português o bem mais recente, “Amo-te Teresa” (2000) com Ana Padrão e Diogo Morgado aborda o relacionamento amoroso de uma médica de 35 anos com um adolescente de 15 que por ela se apaixona. Teresa retorna à terra natal para um retiro espiritual, um encontro consigo própria para curar as feridas das suas desilusões no amor e envolve-se com Miguel.

Perdidamente apaixonado, Miguel não consegue esconder os sentimentos por Teresa em quem pensa dia e noite. A pacata vila é assomada pelo escândalo e pela revolta quando a população descobre a existência do amor proibido. Num acto inconsequente, Migue pinta, durante a noite na parede da igreja “Amo-te Teresa” em letras vermelhas. A relação dos dois não tardará a ser revelada… Enquanto isso, o espectador (pelo menos o típico romântico incorrigível) passa todo o tempo a torcer por um amor impossível. Depreende-se que, passados os tumultos, o sentimento consiga vingar após o reencontro do casal amaldiçoado em Lisboa.

A banda sonora é marcada pelo tema Asas (Eléctricas) dos GNR. Aliás, Rui Reininho, o conhecido vocalista da banda tem uma aparição secundária como guarda da GNR…
Com efeito, e se tivermos em perspectiva a nossa lei penal, as condutas de Dorothy e Teresa, são sancionadas com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias (art. 174º, CP).
A lei entende ser necessário proteger o desenvolvimento global dos menores que não têm ainda a plena capacidade de decidir livremente em termos de relacionamento sexual.
Ambos os filmes mostram como é ténue a fronteira entre o crime e a livre expressão da sexualidade entre duas pessoas cujos tempos são dramaticamente diferentes. Ténue porque quando está em causa uma mulher adulta somos tentados a desculpar e a atribuir uma maturidade ao jovem que a lei só reconhece aos 18 anos. No “Verão de 42” não há punição porque a história é mantida em segredo, em “Amo-te Teresa” há uma clara reprovação da conduta da médica que é chamada à responsabilidade dos seus actos.
Em Portugal, as acusações contra mulheres abusadoras sexuais são raras e os próprios profissionais tem dificuldades em lidar com o assunto. Sabe-se pouco e os casos entretanto reportados não oferecem margem para dúvidas quanto à sua qualificação como crime, quer pela idade das vítimas quer pela relação de parentesco que os torna jurídica e moralmente injustificáveis.
Os actos sexuais com menores ganham contornos acentuadamente mais graves quando os jovens dos 14 aos 18 anos se encontram numa situação de dependência, tal como é o caso da relação professor-aluno – art. 173º, CP. Dado que o agente se encontra investido no dever de assistência ou educação, a pena de prisão pode ir de 1 a 8 anos e não há possibilidade de pena de multa.
O legislador teve em consideração os diferentes os graus do desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, pelo que quem ponha em causa a liberdade e autodeterminação sexual de menor de 14 anos é também fortemente sancionado nos termos do art. 172º, CP.
São frequentemente noticiados nos EUA casos que têm indignado os Americanos, não só pelos factos em si, mas pela dualidade de critérios na aplicação das penas, bem menos severas quando estão em causa mulheres abusadoras. O sexo masculino goza de muito menos tolerância e os mesmos crimes geram um alarido social de incomparável dimensão. Daí a questão: São os estereótipos sexuais que justificam a diferença entre o número de infractores dos sexos masculino e feminino?
Foi mediático e pertence à memória colectiva (quanto mais não fosse pelos 2 livros e 1 filme) o caso amoroso da professora Mary Kay Letourneau iniciado quando esta tinha 34 anos e o aluno Fualaau apenas 12. Um amor que resistiu a todas as adversidades: Aos 43 anos, Mary Kay após ter cumprido 7 anos de prisão efectiva e de ter tido dois filhos dessa relação, casou com Fualaau de 22.
Fenómeno complexo e polémico...