Tuesday, June 13, 2006

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Quando a arte imita a vida

Pedofilia: a zona cinzenta ou o tratamento desigual em função do sexo?

"Verão de 42" (Summer of 42, 1971) é um filme corajoso, sensível, que retrata a realidade da descoberta da sexualidade de três adolescentes de 15 anos nas férias de Verão. A “primeira vez” é sonhada e aguardada de forma diferente pelos três amigos: Oscy, num misto de fanfarronice e gabarolice faz conta à quantidade raparigas que espera “engatar” nas férias, Benjie é o tímido, o miúdo receoso de abordar o sexo oposto, Hermie encarna o jovem sonhador que procura o amor verdadeiro consumado com alguém especial.


À sua maneira, nem sempre em correspondência directa com o idealizado, os três rapazes perderão a virgindade. Contudo, o centro da atenção recai sobre a relação de Hermie e Dorothy, uma mulher mais velha, carente, cujo marido ausente se encontra ao serviço das Forças Armadas como piloto na II Guerra Mundial.

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A história é bonita e faz-nos esquecer completamente que, à face da lei, estamos perante uma situação de abuso sexual, um relacionamento explorado por Dorothy, que se aproveita da inexperiência e dos sentimentos de Hermie para colmatar a falta do marido.


Somos, pois, confrontados com aquilo a que chamo a “zona cinzenta da pedofilia”, não porque não esteja "preto no branco" no Código Penal Português, mas porque sociedade dificilmente rotula de abuso sexual a relação entre uma mulher adulta e um jovem ainda na puberdade, mas não hesita em qualificar como crime o relacionamento sexual de um homem maior de idade com uma menina de 15 anos.

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O filme "Verão de 42" foi premiado com o Óscar de melhor banda sonora, cujo tema principal faz parte da nossa cultura ainda que muitos não o relacionem com o êxito cinematográfica.

Em Português o bem mais recente, “Amo-te Teresa” (2000) com Ana Padrão e Diogo Morgado aborda o relacionamento amoroso de uma médica de 35 anos com um adolescente de 15 que por ela se apaixona. Teresa retorna à terra natal para um retiro espiritual, um encontro consigo própria para curar as feridas das suas desilusões no amor e envolve-se com Miguel.

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Perdidamente apaixonado, Miguel não consegue esconder os sentimentos por Teresa em quem pensa dia e noite. A pacata vila é assomada pelo escândalo e pela revolta quando a população descobre a existência do amor proibido. Num acto inconsequente, Migue pinta, durante a noite na parede da igreja “Amo-te Teresa” em letras vermelhas. A relação dos dois não tardará a ser revelada… Enquanto isso, o espectador (pelo menos o típico romântico incorrigível) passa todo o tempo a torcer por um amor impossível. Depreende-se que, passados os tumultos, o sentimento consiga vingar após o reencontro do casal amaldiçoado em Lisboa.

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A banda sonora é marcada pelo tema Asas (Eléctricas) dos GNR. Aliás, Rui Reininho, o conhecido vocalista da banda tem uma aparição secundária como guarda da GNR…

Com efeito, e se tivermos em perspectiva a nossa lei penal, as condutas de Dorothy e Teresa, são sancionadas com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias (art. 174º, CP).


A lei entende ser necessário proteger o desenvolvimento global dos menores que não têm ainda a plena capacidade de decidir livremente em termos de relacionamento sexual.


Ambos os filmes mostram como é ténue a fronteira entre o crime e a livre expressão da sexualidade entre duas pessoas cujos tempos são dramaticamente diferentes. Ténue porque quando está em causa uma mulher adulta somos tentados a desculpar e a atribuir uma maturidade ao jovem que a lei só reconhece aos 18 anos. No “Verão de 42” não há punição porque a história é mantida em segredo, em “Amo-te Teresa” há uma clara reprovação da conduta da médica que é chamada à responsabilidade dos seus actos.


Em Portugal, as acusações contra mulheres abusadoras sexuais são raras e os próprios profissionais tem dificuldades em lidar com o assunto. Sabe-se pouco e os casos entretanto reportados não oferecem margem para dúvidas quanto à sua qualificação como crime, quer pela idade das vítimas quer pela relação de parentesco que os torna jurídica e moralmente injustificáveis.

Os actos sexuais com menores ganham contornos acentuadamente mais graves quando os jovens dos 14 aos 18 anos se encontram numa situação de dependência, tal como é o caso da relação professor-aluno – art. 173º, CP. Dado que o agente se encontra investido no dever de assistência ou educação, a pena de prisão pode ir de 1 a 8 anos e não há possibilidade de pena de multa.

O legislador teve em consideração os diferentes os graus do desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, pelo que quem ponha em causa a liberdade e autodeterminação sexual de menor de 14 anos é também fortemente sancionado nos termos do art. 172º, CP.

São frequentemente noticiados nos EUA casos que têm indignado os Americanos, não só pelos factos em si, mas pela dualidade de critérios na aplicação das penas, bem menos severas quando estão em causa mulheres abusadoras. O sexo masculino goza de muito menos tolerância e os mesmos crimes geram um alarido social de incomparável dimensão. Daí a questão: São os estereótipos sexuais que justificam a diferença entre o número de infractores dos sexos masculino e feminino?


Foi mediático e pertence à memória colectiva (quanto mais não fosse pelos 2 livros e 1 filme) o caso amoroso da professora Mary Kay Letourneau iniciado quando esta tinha 34 anos e o aluno Fualaau apenas 12. Um amor que resistiu a todas as adversidades: Aos 43 anos, Mary Kay após ter cumprido 7 anos de prisão efectiva e de ter tido dois filhos dessa relação, casou com Fualaau de 22.

Fenómeno complexo e polémico...

7 comments:

Anonymous said...

.. o Código Penal .. ainda bem que Maria viveu há muitos anos .. (tinha 12) .. coitado do José .. se fosse hoje diriam: .. as histórias que estes tipos inventam para não assumirem a culpa ..
.. mas uma coisa sei .. o amor não escolhe idades .. bj ..

Vespinha said...

Olá!

O tema é delicado...e dubio.

Mas como diz o anónimo, o amor (quando se trata de amor)nao escolhe idades.

Bj da Vespinha

mixtu said...

o verão 42 é,sem duvida, um grande filme
besitos

Mónica Lice said...

Não vi o filme, mas pretendo ver!

Beijinhos e continuação de um bom feriado!:)

Eva Shanti said...

Jg,

Pois é, o tema é complicado e intencionalmente publicado para levar à reflexão e à discussão.

Concordo que os EUA têm uma sociedade hipócrita e moralista, assim como muito das ideias americanas não têm aplicação na Europa. Havendo mais ou menos tolerância, acho que todas as sociedades acabam por ter o seu quê de hipocrisia e a sociedade portuguesa não é excepção.

O terem sido referidos vários casos ocorridos nos EUA deve-se ao facto de haver mais exposição deste tipo de crime e mais mediatismo.

Em Portugal, tirando casos de mães que abusaram sexualmente dos filhos (e aqui quase que o factor idade deixa de ter importância perante a gravidade de ser um acto praticado pelo progenitor), não há casos reportados de professoras que tenham abusado sexualmente de alunos (as).


Entretanto, aproveito para distinguir o crime de violação, que é um crime contra a liberdade sexual previsto e punido no art. 164º do nosso Código Penal, dos crimes de abuso sexual de crianças, abuso sexual de menores dependentes e actos sexuais com adolescente (arts. 172º, 173º e 174º do referido Código), que são crimes contra a autodeterminação sexual.

De uma maneira muito breve, pode-se dizer que na violação a liberdade da pessoa (menor ou não) é constrangida e há emprego de violência ou ameaça grave para a prática de cópula, coito anal ou coito oral.

Nos crimes contra a autodeterminação sexual, o que está em causa é o livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual. Protege-se, assim, o menor, entendo-se que ainda não tem capacidade para dar o seu consenso a actos de carácter sexual, pois a sua personalidade ainda está em formação. São punidos, não só os actos de cópula, coito anal e coito oral, mas também actos de carácter exibicionista, conversas obscenas (orais ou escritas), utilização em fotografias, filmes ou gravações pornográficos e ainda exibir ou ceder a qualquer título qualquer desses materiais.

Vespinha,

"Amor e Idade" há-de ser tema de um post num futuro próximo.

Mixtu,
A lice,

Vale a pena (re)ver o Verão de 42, mesmo que o filme já conte com 35 anos.

Já o "Amo-te Teresa" é um telefilme de qualidade discutível e não consensual, mas eu gostei bastante. Sou uma romântica incorrigível...

Bjs e bom FDS!

Mocho Falante said...

olha nem sei muito bem o que dizer sobre o tema, na verdade é um asussunto muito delicado mesmo.

beijocas

Anonymous said...

Para não variar também me parece muito complicado avaliar e distinguir com clareza se se trata de abuso ou não. A lei é clara, a vida é que não é assim tanto. Que dizer quando um rapaz espera que a mulher amada cumpra a pena de prisão (por, supostamente, ter abusado dele) para casar c/ ela? A aplicação da lei foi justa, a vida é que foi injusta para aquele amor... Já passei por algo semelhante qdo, c/ 28 anos me apaixonei por um rapaz de 17... desisti desse amor...