Relacionamentos virtuais - uma visão pessoal

Ter 6 meses de vida na blogosfera é igual a quase nada. Sei o que é o IRC, o que são salas de chat, mas nunca fui uma habitué. A pergunta sacramental “és M ou F?” aliada a uma conversa vazia e picante sempre foi o suficiente para me irritar. Detesto o óbvio e o pouco consistente, daí achar que a maior parte das conversas eram uma perda de tempo.
Ainda assim, aventuro-me a escrever sobre a Internet e a interacção das pessoas. Nada de muito exaustivo e não mais do que uma visão pessoal, uma perspectiva global sobre os “relacionamentos virtuais”.
“Relacionamento virtual” parece-me um conceito suficientemente amplo, com a capacidade de abranger a mais simples das amizades, o preenchimento de necessidades emocionais, o flirt virtual que pode ir do engate à conquista, o amor platónico à distância de um click, a paixão cibernética, o romance perfeito assente em megas, bits e bytes.
A procura do outro refinou-se e acompanhou os tempos. A Internet tornou-se, assim, um meio privilegiado de estabelecimento e desenvolvimento de relações humanas, nomeadamente as que se ligam à afectividade – Amor, Amizade, Sexo.
Sites, chats, blogs, fóruns, todos são formas de comunicação e podem servir como plataforma de encontros virtuais, mesmo que não tenha sido esse o objectivo inicial. Os objectivos de quem os procura são diversos: combate à solidão, distracção, alargamento da rede social de conhecimentos, sexo, procura do companheiro ideal…
Como todas as relações que estabelecemos com os outros, qualquer que seja a sua natureza, elas podem crescer, evoluir, estagnar, morrer aos poucos.
Aos relacionamentos virtuais pode-se acrescentar o audio, a fotografia, a webcam ou navegar indefinidamente num mar de gente que não se quer conhecer mais do que o estritamente necessário. Num passo quase intuitivo, pode-se passar do ecran de pixels e das palavras escritas para dimensões mais físicas. Basta haver vontade e quebram-se barreiras.
A vontade é o elemento fundamental. Podemos estar num locar público – supermercado, consultório, paragem de autocarro, bar, discoteca, etc. - o nosso olhar cruzar-se com outro e querermos ou não estabelecer uma relação, seja ela de que tipo for. Outro exemplo é frequentar um curso, um ginásio e termos o direito de sermos mais ou menos reservados. Trocar o nº de telemóvel ou e-mail? O dar-mo-nos mais ou menos é uma escolha nossa. Só nós podemos definir os nossos limites.
Afinal, o que tem a Internet de tão fascinante?
- A possibilidade de uma ligação ao mundo, uma realidade tão vasta da qual não conseguimos ter noção;
- A extensa quantidade de informação;
- A aproximação das pessoas independentemente da idade, sexo, localização, situação económica, social ou profissional;
- A prevalência de características pessoais que extravasam os atributos físicos ou materiais;
- A construção do Eu que assenta naquilo que queremos mostrar, com o inevitável enaltecimento das qualidades em detrimento dos defeitos;
- Um relativo anonimato que estimula a confidência, a partilha, o deixar cair das máscaras;
- A ousadia de nos mostrarmos com todas as nossas idiossincrasias e imperfeições;
- A protecção contra a rejeição num meio que proporciona uma armadura contra a crítica e o sentimento de fracasso.
As comunidades que se vão formando, de forma natural e pouco programada, consubstanciam um círculo de “estranhos conhecidos”, que passam a fazer parte das nossas relações diárias, de quem sentimos a falta quando estão muito tempo sem aparecer ou sem dizer nada. Habituamo-nos a uma rotina de visitas que nos dão prazer e nos fazem ter uns minutos de descontracção.
A aparente frieza de um mundo em que cada um de nós se encontra por detrás de um monitor é semelhante ao estar só no meio de uma multidão. A impessoalidade é uma característica da massificação. Mas podemos contornar o impessoal humanizando a comunicação, o que é mais um passo para a transição do interlocutor de ente imaginário e abstracto a ser de carne e osso.

Somos o que escrevemos?
A empatia que sentimos pela escrita de alguém, a cumplicidade que se gera, a sintonia de ideias, gostos interesses, catapultam a passagem a um conhecimento mais profundo, aguçam a curiosidade e levam a outras formas de relação. Nada mais humano.
O impacto da palavra escrita é um fenómeno engraçado e inesgotável. Quantas vezes queremos transmitir uma mensagem e o retorno recebido é claramente o oposto à nossa intenção?
Todavia, as palavras que usamos, as ideias que transmitimos, as imagens que escolhemos, tudo isso fornece pistas, indícios da nossa personalidade. O que se quer revelar pode não corresponder à realidade, pode ser uma ficção construída, mas é alguma coisa, especialmente se se atravessa a ponte entre o virtual e o físico.
Acredito que os vínculos que se estabelecem virtualmente tenham uma base real e possam ser o embrião de sentimentos muito bonitos e profundos.
Afinal, on-line podemos rir, chorar, desenvolver sentimentos intensos de afecto que podem chegar ao enamoramento, à paixão, ainda que só por si, os relacionamentos só virtuais sejam incompletos, pobres de importantes manifestações humanas como as tão ricas expressões faciais, a postura corporal, o timbre e diferente registo que pode assumir a voz.
A sedução pode começar na escrita, no envolvimento com um ser que de palavras se vai construindo. Ao contrário do mundo físico, a atracção começa pela interioridade. A reacção química dos corpos é guardada para um momento posterior e é sempre um risco que pode levar ao fantástico ou ao desânimo. Mas uma coisa é certa: quer no físico quer no virtual, a ideia que fazemos do outro, de início grandemente apoiada na imaginação, tem um papel preponderante no que se vai desenrolar a seguir.
Racionalidade e afectividade não combinam. Não falta quem defenda que o Amor romântico e arrebatador é uma insanidade mental temporária, um estado em que se mistura o desejo com a ilusão, um desequilíbrio neurohormonal comandado por impulsos que transcendem a razão – o psicólogo Robert Sternberg e a antropóloga Hellen Fisher. Logo, tudo é possível: amor à primeira vista ou através do teclado...